Herbicida usado em lavouras no Brasil é reclassificado pela OMS como provável causador de câncer
08/12/2025
(Foto: Reprodução) Herbicida usado no Brasil é reclassificado pela OMS como provável causador de câncer
Um estudo realizado pela Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer (IARC), órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS), identificou potencial cancerígeno na atrazina, um herbicida usado para controlar plantas daninhas em lavouras brasileiras.
Os resultados foram debatidos por um grupo de 22 pesquisadores de 12 países — incluindo a brasileira Cassiana Montagner, professora e pesquisadora do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As conclusões foram publicadas na revista científica The Lancet Oncology em 21 de novembro.
Anteriormente, a partir de pesquisa da IARC realizada em 1998, a atrazina não possuía classificação quanto ao seu potencial cancerígeno por não haver evidências suficientes que indicassem correlação com câncer. Na nova avaliação baseada em descobertas mais recentes, a atrazina foi reclassificada como "provavelmente carcinogênica para humanos".
⚠️ Com a reclassificação, o entendimento sobre os riscos a exposição mudam: agora, não há qualquer nível de exposição considerado seguro, segundo a cientista da Unicamp.
"Quando a gente fala de um composto do grupo 2A de carcinogênico, não tem valor seguro. A coisa é assim, nós não devemos nunca estarmos expostos a qualquer substância que tenha uma capacidade carcinogênica", afirma Montagner.
Ao g1, o INCA informou que defende a proibição da atrazina pelo princípio da precaução. Já Anvisa e Ibama informaram que a revisão do uso do herbicida depende de um procedimento de reanálise, o que ainda não ocorreu. Confira os posicionamentos clicando aqui.
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Nesta reportagem você vai entender:
Como funciona a classificação?
Por que a atrazina foi reclassificada?
Exposição mesmo longe das lavouras
Legislação
O que dizem as autoridades?
Aplicação de agrotóxico
Eric Brehm / Unsplash
Como funciona a classificação?
A pesquisa é realizada anualmente pela Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer, que é um braço da Organização Mundial da Saúde. Entre as frentes de trabalho da agência está a avaliação da carcinogenicidade de substâncias - ou seja, seu potencial de causar câncer.
📚 Todo ano, a agência seleciona uma ou mais substâncias para serem avaliadas ou reavaliadas, e recruta especialistas no composto para apresentarem os resultados em pesquisas mais recentes. Esse processo é confidencial "para evitar baias de empresas".
Os especialistas são divididos em quatro grupos de estudo, para avaliar:
se de fato os seres humanos ficam expostos às substâncias avaliadas;
a capacidade da substância de causar câncer em humanos;
a capacidade de causar câncer em animais;
os mecanismos de carcinogenicidade, como a reação molecular, bioquímica, do que acontece no nosso organismo.
Com base nos estudos, A IARC classifica os agentes quanto ao nível de evidência de carcinogenicidade em humanos, sendo divididos nos grupos:
Grupo 1 (carcinógeno conhecido)
Grupo 2A (provável carcinógeno)
Grupo 2B (possível carcinógeno)
Grupo 3 (não classificável)
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Por que a atrazina foi reclassificada?
🔍 Em 2025, os pesquisadores selecionados pela IARC se debruçaram no estudo da atrazina, da alaclor e do vinclosolin - as duas últimas foram avaliadas pela primeira vez, sendo classificadas nos grupos 2A e 2B, respectivamente.
Ao fim da pesquisa, entre os dias 28 de outubro e 4 de novembro, os cientistas envolvidos no "projeto secreto" se reuniram na sede da IARC, em Lyon, na França, para debater os achados e chegar a uma conclusão em consenso.
As descobertas do grupo indicaram correlação com câncer a partir de:
Evidências em humanos: consideradas "limitadas", mas com associações para o linfoma não-Hodgkin
Evidências em animais: consideradas "suficientes", demonstrando aumento na incidência de tumores malignos em ratos
Evidências mecanicistas: consideradas "fortes" em sistemas experimentais, confirmando que a atrazina induz estresse oxidativo, inflamação, imunossupressão e altera a proliferação celular
"Não é uma evidência catastrófica, que daí justificaria classificá-lo como classe 1. Mas, no caso do grupo 2A, seria assim: 'É carcinogênico, temos todas as evidências para a carcinogenicidade, e ações precisam ser tomadas para diminuir a exposição humana a esse composto', diz a pesquisadora da Unicamp.
Com a reclassificação, muda a exposição recomendada ao herbicida: em uma substância 2A, qualquer contato é caracterizado como um risco.
"Nós não devemos nunca estar expostos a qualquer substância que tenha uma capacidade carcinogênica. Esse é o ponto. Então, as ações de mitigação precisam ser muito mais rigorosas [...] Ele sendo reclassificado como um carcinogênico do tipo 2A, significa que ele não tem que estar em nada [...] a gente não pode estar exposto a essa substância, porque o risco é muito alto", afirma.
Exposição mesmo longe das lavouras
Montagner explica que, após o uso da atrazina, resíduos do composto se dispersam na atmosfera ou ficam impregnados no solo, fazendo com que o defensivo escoe para os rios durante as chuvas ou irrigações. Com isso, a atrazina pode chegar ao ser humano através do ar, da água e de alimentos contaminados.
"É um composto bastante persistente. Ela vai para o rio, e estando no rio ela já afeta os organismos aquáticos. Acontece que a gente usa muito a água do rio para abastecimento público e para gerar água potável. E essa água que chega na nossa torneira, ela vem de um tratamento que não é capaz de remover a atrazina. A gente tem todos esses dados que mostram que nós, seres humanos, não só os agricultores, estão expostos”, explica a professora.
A partir da reclassificação, Montagner afirma ser imprescindível que os órgãos reguladores compreendam que a recomendação de exposição mudou, e por isso, a legislação precisa ser atualizada.
"A proposta é que essas novas recomendações cheguem para os tomadores de decisões, para aqueles que estão fazendo a revisão das nossas legislações. Assim, processos de revisão, para justamente entender que, eventualmente, a gente precisa tomar uma ação mais imediata para banir o uso, para diminuir o uso da atrazina no Brasil", explica
Legislação
Entenda como é a aprovação de agrotóxicos no Brasil
A reclassificação da IARC não determina restrições ou proibições quando ao uso de agrotóxicos ou defensivos agrícolas. O registro no Brasil funciona a partir da avaliação de três órgãos:
🌾 Ministério da Agricultura: avalia se o agrotóxico realmente funciona para combater a praga ou doença a que se destina.
⚕️ Anvisa: verifica o risco que o pesticida traz para a saúde humana. A partir dos estudos enviados, os especialistas avaliam se o agrotóxico pode causar problemas imediatos ou a longo prazo para quem aplica, quem manipula ou quem consome alimentos com resíduos.
🐝 Ibama: investiga o risco que o agrotóxico representa para o meio ambiente.
A Anvisa é responsável pela avaliação (e reavaliação) dos impactos à saúde decorrentes do uso de agrotóxicos. A atuação se dá em três frentes:
avaliação do risco à saúde previamente à comercialização do produto ou à autorização de novos usos;
monitoramento de resíduos em alimentos consumidos pela população;
reavaliação de agrotóxicos diante de novos indícios de risco.
A capacidade de contaminação da atrazina fez com que alguns países decidissem pelo banimento do defensivo antes desta reclassificação. De acordo com a Anvisa, a atrazina não está autorizada na União Europeia desde 2003, em decorrência do não atendimento a exigências ambientais.
No Brasil, a resolução nº 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece um valor máximo permitido de 2 microgramas por litro destinadas ao consumo humano após tratamento.
➡️ Desde 2019, a Anvisa adotou uma metodologia e rotina de reavaliação de agrotóxicos. Segundo o órgão, até o momento, a atrazina não está na lista de indicações priorizadas para reavaliação.
Já no legislativo, há um projeto de lei que pede a proibição do uso e aplicação do princípio ativo atrazina em todo território nacional. Segundo a Câmara dos Deputados, o PL 5080/2023 está em trâmite no congresso desde outubro de 2023.
A proposição foi distribuída às Comissões de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural; Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e Constituição e Justiça e de Cidadania para análise, e tramita de forma conclusiva.
O que dizem as autoridades?
Em nota, Marcia Sarpa e a Katia Soares, que fazem parte da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Instituto Nacional do Câncer (INCA), órgão auxiliar do Ministério da Saúde no desenvolvimento e coordenação das ações integradas para a prevenção e o controle do câncer no Brasil, defende que a atrazina seja proibida a partir da reclassificação.
"O risco existe apesar de no momento ainda não haver estudos suficientes envolvendo populações humanas expostas a atrazina que confirme a evidência. Ainda assim, a publicação traz associação positiva da exposição a atrazina e o desenvolvimento de linfoma não-Hodgkin e câncer de laringe. A recomendação de proibição ou minimamente maior restrição em seu uso é o caminho para a proteção da população e está baseado no princípio da precaução, ou seja, diante da incerteza dos potenciais efeitos negativos decorrentes da exposição, a prevenção da exposição é o melhor caminho para a proteção de todos", diz o texto.
Também em nota, a Anvisa explica que a atrazina tem uso autorizado no Brasil pelo menos desde 1985. O órgão afirma que a reclassificação ainda não foi avaliada pela Anvisa ou por qualquer outra Agência Reguladora equivalente.
A Anvisa também informa que atua regularmente "na reavaliação toxicológica de ingredientes ativos de agrotóxicos" e que a "reavaliação é instaurada quando há suspeita de risco inaceitável para a saúde humana associado a determinado ingrediente ativo".
"A partir da reavaliação, a Anvisa pode concluir pela suspensão, proibição ou manutenção do registro de um agrotóxico, com ou sem imposição de medidas adicionais de proteção à saúde", diz o órgão.
O Ibama informou que existem 35 produtos técnicos e 78 produtos formulados registrados à base da atrazina no Brasil, para 13 culturas: abacaxi, aveia, cana-de-açúcar, centeio, cevada, citros, milheto, milho, pinus, salsa, seringueira, soja e sorgo.
"Com base em estudos ecotoxicológicos apresentados ao Ibama em 1989, o agente químico foi classificado quanto ao seu potencial de periculosidade ambiental por este Instituto, tendo seu uso autorizado à época. E como a legislação vigente não estabelece um prazo de validade do registro de agrotóxicos no Brasil, o uso só poderá ser revisto ou cancelado por meio de um procedimento chamado de reanálise, que ainda não ocorreu com a atrazina", informa o instituto.
O g1 pediu posicionamento para o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), mas não obteve retorno até esta publicação.
*Estagiárias sob supervisão de Bárbara Camilotti.
Aplicação de agrotóxico feita por avião.
GloboNews
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